Como a reforma tributária pode barrar o aumento do mercado ilegal de bebidas?
Impostos estão dentro da cadeia econômica e social. Ao comprar um produto, destina-se parte do seu valor ao governo, na forma do imposto que compõe o preço. Este valor será reinvestido em educação, saúde, infraestrutura e para pagar os custos da administração pública.
O imposto justo remunera o governo e cobre suas despesas. Garante a disputa competitiva no mercado, atraindo investimentos e gerando empregos. Proporciona recursos suficientes para prover os serviços básicos à população e para se investir no progresso do país.
O problema é quando essa medida – o imposto – foge do seu fim, que deve ser o bem-estar social, e acaba desregulando toda a cadeia de relações entre sociedade, empresas e governos. É o que acontece no mercado de bebidas alcoólicas brasileiro, tendo como efeitos colaterais, entre tantos, o estímulo ao mercado ilegal.
Em 2015, o governo elevou em até 30% a alíquota do IPI incidente sobre os destilados. Porém, como já aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS), “aplicar restrições severas à disponibilidade do álcool pode promover o desenvolvimento do mercado ilícito”.
Dito e feito.
Quando o produto se torna mais caro devido à alta carga tributária, em um país cuja população é muito sensível a preço, como é a brasileira, as pessoas acabam buscando bebidas mais baratas, sobretudo no mercado ilegal. Não à toa o estudo Álcool ilícito no Brasil, conduzido pela Euromonitor em 2018 e divulgado pelo Instituto Brasileiro da Cachaça – IBRAC em dezembro de 2019, em evento realizado em parceria com o Correio Braziliense, revelou que quase 30% do álcool destilado que circulava no Brasil era ilegal. E com isso, o setor estima que os criminosos, somente em 2017, podem ter lucrado R$ 3 bilhões com a comercialização e o contrabando de bebidas ilícitas.
A desproporcionalidade dos tributos é tanta que uma bebida ilegal chega a ser 70% mais barata do que uma legítima. O álcool ilícito não paga imposto, não gera emprego nem renda, não obedece a leis trabalhistas e normas sanitárias e, ainda, pode causar danos à saúde da população, sobretudo pela ingestão de álcool impróprio para o consumo. A indústria legal, por sua vez, cria empregos, investe e produz com segurança e qualidade, mas é submetida a um imposto que praticamente inviabiliza sua operação no país.
E o que já era problemático, a pandemia tratou de agravar. Segundo o estudo Álcool ilícito na América Latina – Modelo de impacto da Covid-19, divulgado pela Euromonitor em outubro deste ano, o mercado ilícito de bebidas cresceu 10,1% durante a pandemia e, agora, o álcool destilado ilegal já corresponde a quase 40% do volume de álcool destilado comercializado no Brasil. Com um menor poder de compra, o consumidor vai atrás de bebidas mais baratas e, muitas vezes, ilegais. A dinâmica do comércio online também contribui para isso – o comprador, à distância, compara prioritariamente preço e não tem contato físico com o produto e nem com o estabelecimento durante o processo de compra, por isso, acredita estar adquirindo um produto legítimo, quando, na verdade, pode se tratar de uma bebida ilegal.
O mercado ilegal se aproveitou desta nova oportunidade para expandir as suas atividades, criando novas rotas de contrabando pelo Paraguai e intensificando a presença de pequenas fábricas de falsificação de bebidas no interior de São Paulo.
Impulsionada pela pandemia, a ilegalidade também pode aprofundar as perdas de arrecadação do governo. Em 2017, a evasão de impostos pelo mercado ilegal de bebidas alcoólicas destiladas alcançou R$ 5,5 bilhões – este valor corresponderia, hoje, ao pagamento de auxílio emergencial para 9 milhões de pessoas. Com o avanço do mercado ilícito de bebidas alcoólicas durante a pandemia, o setor teme que o rombo da evasão fiscal nas contas do governo possa ser ainda maior.
Neste momento em que o Brasil discute a sua reforma tributária, é hora então de nos perguntarmos: afinal, como ela pode barrar esse aumento do mercado ilegal?
Em primeiro lugar, não aumentando ainda mais a carga de tributos sobre as bebidas alcoólicas, que, no atual patamar, já é quase paralisante para o setor.
Em segundo lugar, restituindo as bases competitivas da indústria de bebidas por meio de uma tributação isonômica e justa, que incentive as empresas do mesmo setor que desejam investir e gerar riqueza e desestimule o comércio ilegal.
Por fim, que a tributação se reconcilie com o seu dever de bem-estar social, criando as bases para o progresso. Na atual situação, ela é tão somente um incentivo para a proliferação do álcool ilegal, para a evasão fiscal, para o aumento da criminalidade e para a depauperação da indústria legal. Isso não pode continuar – e não é justo.