Reforma tributária: IBRAC prevê que ambiente isonômico favorece uma maior arrecadação e a legalidade

Tramitam no Congresso Nacional duas propostas que sugerem a criação de um novo tributo sobre bebidas alcoólicas, o que poderia até inviabilizar o mercado da Cachaça e destilados no Brasil

Correio Braziliense – 17 de dezembro de 2020

Uma das discussões setoriais da reforma tributária diz respeito à carga de impostos aplicada ao setor de bebidas alcoólicas. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), as distorções tributárias dentro do setor estão a um passo de inviabilizar os negócios da indústria da Cachaça no Brasil. O setor de destilados como um todo é responsável pela comercialização de 400 milhões de litros de álcool puro e o giro de R$ 34 bilhões na economia, e em especial a indústria da cachaça, que representa 7% do mercado brasileiro de bebidas alcoólicas, em volume, e 72% do segmento de destilados.

A Cachaça, bebida típica nacional e considerada um soft power, é o produto mais taxado do país. Em vez de ser tratado e valorizado como um Símbolo Nacional, o setor tem sido duramente penalizado com aumentos da tributação. Se considerarmos apenas o reajuste aplicado sobre o valor do Imposto Sobre o Produto Industrializado (IPI), nos últimos anos, o valor pago do imposto teve um reajuste de mais 200%.

“Estamos asfixiados, de um lado, pela alta tributação e, de outro, pelo avanço do mercado ilegal, forças que inibem o crescimento, os investimentos e a geração de empregos e renda”, aponta Carlos Lima, diretor executivo do IBRAC. “Parte dos produtores acaba indo para a ilegalidade por não conseguir sobreviver em um mercado de alta carga e complexidade tributária”, afirma.

Cuidado com a desinformação

Esse desequilíbrio tributário tem origem no mito infundado que qualifica as bebidas alcoólicas como “fortes” e “fracas” ou “quentes” e “frias”. Vale ressaltar que o álcool usado em todas as bebidas é o mesmo. As destiladas, como a cachaça, são tidas, erroneamente, como “fortes” ou “quentes” pelo senso comum e acabam sendo taxadas com impostos mais altos como forma, também equivocada, de inibir o consumo abusivo de álcool. O consumo moderado, por sua vez, se relaciona com a quantidade de álcool ingerido, o que independe do tipo de bebida.

Uma dose é definida como 10 gramas de álcool presentes em qualquer bebida. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), inclusive, estabelece essa medida como porção padrão para efeito de rotulagem nutricional de alimentos.

O consumo moderado chegou a ser apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como três doses diárias para homens (ou 30 gramas de álcool puro) e duas doses diárias para mulheres (20 gramas), com intervalo mínimo de dois dias sem beber. “O que importa para a moderação do consumo é o volume de álcool puro que você ingere, assim, não há sentido no tratamento tributário desigual entre as bebidas”, argumenta Lima.

Em 2015, a lei 13.241 alterou a sistemática de cobrança e estipulou elevadas alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), majorando os destilados com alíquotas de 25% e 30%. A sobretaxação dos destilados serviu também para impulsionar diretamente o mercado ilegal de bebidas. Enquanto isso, o IPI da cerveja caiu de 15% para 6% – uma taxa inferior à de bens essenciais como tijolos, que é de 8%. De acordo com estudo apresentado na Fundação Getúlio Vargas (FGV), baseado em dados do Banco Central, o Governo Federal deixou de arrecadar entre 2015 e 2018 um total de R$ 2,8 bilhões.

A justificativa para o decréscimo nessa cobrança seria uma compensação no recolhimento de PIS/COFINS. O estudo “Demonstração da não ‘compensação legislativa’ do setor cervejeiro” publicado em setembro de 2020, no entanto, aponta que quando a indústria cervejeira vende ao atacadista existe uma redução de 28,76% no recolhimento desses tributos, comparado ao cenário que se tinha antes da mudança em 2015, e quando ela vende diretamente ao varejista a queda é de 43,68%.

Crescimento do mercado ilegal

O estudo Álcool ilícito no Brasil, conduzido pela empresa de pesquisa Euromonitor, em 2018, e divulgado pelo IBRAC em dezembro de 2019, trouxe dados sobre o crescimento do mercado ilegal de bebidas no Brasil à luz do desequilíbrio tributário instaurado no setor.

Em 2017, ano de referência do estudo, 28,8% do álcool destilado que circulava no Brasil já era ilegal, gerando um lucro anual de R$ 3 bilhões para o mercado ilícito e uma perda de arrecadação de R$ 5,5 bilhões para o governo. A bebida ilegal não paga imposto e não se adequa às leis vigentes, conseguindo preços até 70% mais baratos do que as bebidas legais.

A Euromonitor estima que as bebidas ilícitas terão um crescimento de 10,1% em 2020, abocanhando 37,9% do mercado de destilados brasileiro. Com a evolução dos números, o setor teme que a evasão fiscal também possa se agravar.

Igualdade de condições

A reforma tributária é a oportunidade para reparar as distorções e restabelecer a competitividade. Segundo o IBRAC, uma tributação isonômica, sem distinção por tipo de bebida, é o caminho para a retomada do crescimento e da arrecadação e a diminuição do comércio ilegal.

Atualmente, as duas propostas que tramitam no Congresso Nacional sugerem a criação de um novo tributo. O Imposto Seletivo incidirá sobre produtos como as bebidas alcoólicas, para desestimular o seu consumo. Representantes do IBRAC e do Núcleo pela Responsabilidade no Comércio e Consumo de Bebidas Alcoólicas no Brasil são contra o imposto e os possíveis aumentos tributários atrelados a ele, sob pena de paralisar a indústria e estimular ainda mais a ilegalidade no setor de bebidas. A medida, no entanto, persiste nos textos. Diante disso, o setor vem discutindo algumas condições para o imposto, como ter um teto de aplicação, de modo a evitar absorções arrecadatórias futuras, e não descrição dos setores impactados no texto da constituição.

Em outubro, o IBRAC e o Núcleo realizaram evento virtual com a participação do vice-presidente da comissão mista da reforma tributária na Câmara, deputado Hildo Rocha (MDB-MA). Na ocasião, o parlamentar indicou que a reforma não deverá elevar ainda mais os impostos sobre as bebidas. “Não tenho dúvida nenhuma que a tendência de médio prazo é diminuir a tributação sobre o setor de bebida alcoólica com as mudanças que estamos implementando, mesmo com a criação de um imposto seletivo”, destacou.